quinta-feira, 28 de maio de 2015

Guerra Negra - Capítulo Um



Capítulo 1 - Novos Horizontes

Israel, outubro de 2021

Keren estava pronta. Respirou fundo e entrou no avião. A comissária estava esperando que ela entrasse. Deu as devidas e educadas boas vindas e a acomodou em sua poltrona.

"Deseja beber alguma coisa?"

"Uma água sem gás, por favor." Pediu Keren. A comissária se retirou com um sorriso e Keren se acomodou. Respirou fundo, seria uma longa viagem.

No início, sair do país não era exatamente uma idéia. Ela queria apenas sair de casa. Mas então surgiu a oportunidade num novo colégio, e nem soube exatamente como isso acontecera; de repente, tudo estava acertado. Iria para a New Order High School of San Francisco, California.

Sentiria saudades dos pais. Tudo bem. Ela queria sair justamente por causa deles, porque queria respirar. Sua família é judia ortodoxa, ou melhor, mais que isso, eram Judeus Haredi, ou ultraortodoxos, como chamavam por aí, e ela queria um pouco de paz. De certa forma, havia algo mais. Seu pai era um homem muito rígido, e sempre que ela o olhava, parecia emanar dele um poder e uma autoridade sobre ela que lhe dava calafrios. Ela sentia mais que respeito por ele: sentia medo.

A primeira coisa que fez foi quebrar com algumas tradições. Viajar sozinha já era o primeiro passo, mas ainda não entendia como seus pais compreenderam sua necessidade de liberdade. Obviamente foi bastante difícil no início, mas ela nunca achou que eles fossem concordar, principalmente seu pai. Acreditava que em algum momento teria que fugir. Mas, depois de um mês, eles não só aceitaram como encontraram um lugar para ela ficar, um apartamento charmoso em San Francisco, e pagaram sua viagem em primeira classe, além de abrirem uma conta internacional para depositarem uma generosa mesada. Coisa que não fazia nenhum sentido.

Keren tinha pressa. Comprou roupas novas, cortou o cabelo,  arrumou-se e lá estava ela. Sentada numa maravilhosa e confortável poltrona de primeira classe.

"Sua água, senhorita."

A comissária havia voltado e falara duas vezes com ela antes que ela recebesse a água.

"Obrigada."

Keren estava distraída. A nova vida a aguardava, e mal sabia o que iria fazer assim que se visse totalmente livre. Pensaria por si mesma, agiria por si mesma... mas, o que exatamente pensar ou fazer? Sempre teve suas opiniões regradas e teve que obedecer as decisões da família. Fora criada dessa forma, por isso mesmo a liberdade era tão sonhada e ao mesmo tempo tão temida.

"Tem medo de avião?"

A voz a acordou dos seus pensamentos. Voltou-se para a poltrona próxima à sua. Um belo rapaz, cabelos escuros, pele clara e olhos profundamente negros que a perscrutavam. Ele parecia ser alto, e era muito bonito, e sua barba estava bem aparada.

Como ela não respondeu, ele resolveu se adiantar.

"O avião já decolou há quinze minutos e você não para de segurar fortemente o braço da poltrona e esta garrafinha. Dá para ver os nós dos seus dedos", ele disse em tom divertido.

Keren sorriu e aliviou as mãos, nem tinha percebido esse detalhe.

"Desculpe, eu não me apresentei. Me chamo Mohammed."

Keren quase soltou uma gargalhada. Estava profundamenta acanhada, mas morrendo de vontade de flertar um árabe. Ele estava bem vestido, como um executivo, mas sem terno. Era jovem demais para ser um grande empresário? Teria uns 25? 26 anos? Ela, em seus 16 já estava quase sem fôlego, e tossiu para respondê-lo.

"Me chamo Keren."

"Keren, um belo nome para uma bela moça. Encantado em conhecê-la. Então, é a primeira vez em um avião?"

Ele não parecia um muçulmano, mas não poderia julgar pelas aparências. Ele tinha um nome muçulmano, um nome que o identificava como "filho de Maomé". Mas não podia afirmar, o nome já havia se popularizado. E, no mundo moderno, acreditar que um muçulmano teria que vestir túnica e turbante era demais.

"Si... sim. Sim. É a primeira vez. Deu pra perceber?"

Ele riu de seu sorriso amarelo.

"Quase nada."

Os dois sorriram.

"E o que uma garota tão jovem e tão bonita está fazendo viajando sozinha para um lugar tão longe?"

Era verdade. Iriam atravessar o continente, o oceano, para chegar a praticamente o outro lado do mundo. Nunca havia saído de Israel, e agora faria uma longa viagem, cheia de escalas e conexões. Queria muito conversar com ele, mas dizer a verdade seria dizer a ele que ela era mais jovem do que ele poderia imaginar.

"Estou indo para um novo colégio..."

"Mudança bem radical, não?" Ele sorriu, não parecia surpreso com sua revelação de que ela estava em idade escolar.

"Pois é..."

"E para onde está indo?"

"Para Califórnia."

Mohammed soltou um assobio. "Longe. Eu estou indo para Washington a negócios. Bastante longe não é?" Ele continuou sorrindo, como para uma garotinha. Bem, Keren era uma garotinha.

A conversa foi interessante e agradável, até que o telefone dele tocou e ele começou a falar em árabe. Ela, por viver há tanto tempo em Israel, entendia umas palavras soltas, e se deu conta que se tratava de uma conversa de negócios.

Relaxou em sua poltrona e, por mais incrível que pudesse parecer, estava dormindo rapidamente.
E teve um sonho.

Um sonho estranho, mas de certa forma familiar, de uma cidade linda, limpa e muito organizada. Uma cidade onde as ruas e os jardins eram belos e as construções reluziam, e quase ofuscavam sua visão. Uma luz que parecia refletir a luz do sol. Parecia que já tinha estado neste sonho antes.

Acordou com um tremor. E percebeu que, embora o sol parecesse não ter se movido no horizonte, já havia se passado horas.

"Use isto." disse a comissária, passando para ela um tipo de viseira, com pequeninas lâmpadas, no momento apagadas. Independente da posição do sol, ela simularia o dia e a noite para o cérebro, para que se acostumasse com o fuso horário do local de desembarque. "Vai minimizar os efeitos do jet lag."

"Obrigada."

Keren olhou para o assento onde Mohammed, já usando sua própria viseira, dormia suavemente. Ele era muito belo.

Subitamente sentiu sono e voltou a dormir. E voltou a sonhar com a estranha cidade reluzente.

***

Keren estava exausta. Passara por muitos contratempos, quase sua bagagem fora extraviada em Portugal, quase perdera o vôo em Miami por dormir no saguão, quase não conseguira se despedir de Mohammed antes de embarcar, enfim.

"Garota, espero revê-la, algum dia", dissera ele para ela. Trocaram telefones, emails, mas se realmente algum dia ele ligaria, bem, isso era muito diferente. Já era difícil reencontrar na mesma cidade alguém que não se vê há algum tempo, imagine em cidades diferentes, com praticamente todo o país no meio!

Mohammed pegou outro avião para Washington, enquanto ela seguiu para San Francisco. Estava cansada e não via a hora de chegar. Chegar num lugar totalmente desconhecido para ela, viver sozinha. Tinha lá seu lado bom, não dar satisfações, usar a roupa que quiser, comer o que quiser, sair para onde quiser, enfim, viver. Mas sozinha ela não conseguiria tal liberdade. Que ironia do destino. Ela sempre iria precisar de outras pessoas? Quanta insegurança!

O primeiro dia de aula foi estranho, como todos os primeiros dias de aula para os novatos. É sempre assim. Todos ficam olhando, observando... Keren já estava chateando-se por causa de sua timidez.

"Oi, meu nome é Maureen" disse uma linda garota se aproximando dela. "E o seu?"

"Keren."

"Keren... você tem um sotaque diferente, de onde você vem?"

"Ahn... de Israel..." Keren ficou um pouco receosa, com medo de algum preconceito... não sabia se essa garota era como nos filmes americanos, em que sempre tem uma garota que faz da outra seu patinho feio para se sentir melhor. Sempre achou tudo isso uma grande baboseira, mas agora que estava diante de garota tão bonita, ficou com medo do complexo da "garota impopular".

"Legal." Foi só o que Maureen disse antes de se sentar ao lado dela. "Aqui é uma escola legal. Você vai gostar. É relativamente nova, tem uns 20 anos, e eu estou aqui desde o ano passado. Então, tecnicamente somos novatas. Você vai se sentir em casa."

Keren ficou fascinada com o desprendimento de Maureen. Finalmente um colégio normal, onde ela pudesse se sentir bem. O dia correu tranquilamente, e agora Keren tinha uma nova amiga. Ela era legal, e ela esperava se enturmar.

A semana passou rápida, e logo veio a segunda. Recebeu um email de Mohammed, bastante formal, e se perguntou se ele fez isso somente por educação.

Seus pais enviaram um dinheiro; ligaram perguntando sobre as instalações e não fizeram comentário nenhum, o que ela achou muito estranho. Nem fizeram perguntas. Mas isso é tudo o que uma adolescente quer. Pelo menos no início.

No fim da segunda semana, uma sexta-feira, Keren recebeu um convite interessante.

"Uma festa?"

"Sim! Ah, por favor, vamos? Vai ser legal. Um amigo nosso está fazendo vinte anos e resolveu dar uma festa na casa dele. Vai ser show!"

"Hum... ok, eu vou."

Seus pais não precisavam saber que passaria a noite inteira numa festa, cheia de adolescentes e jovens, garotos legais, muita bebida... Não era para experimentar essas coisas que ela se afastou de casa?

Maureen parecia dar saltinhos de felicidade. E ela estava imediatamente empolgada com a festa.

Uma festa legal, mas meio estranha. Tinha muita gente, mas não se via decoração nem nada. Não sabia quem era o aniversariante, ele aparentemente não estava lá. Maureen sequer a apresentou a ele. Simplesmente chegaram e foram entrando.

Bem, foram entrando é modo de dizer. Havia um homem de quase dois metros de altura na entrada do jardim; um segurança que observava todos que se aproximavam. Keren e Maureen disseram seus nomes a ele, e ele permitiu a passagem. Parecia não precisar olhar numa lista de nomes, mas Keren não duvidava que, se alguém não tivesse sido convidado, ele saberia. E teve calafrios ao imaginar o que um homem daqueles faria caso um penetra resolvesse arriscar passar por ele.

Seus pensamentos foram imediatamente absorvidos pelo lindo jardim que se seguia. Um lado do jardim tinha um labirinto de flores, construído aparentemente para ser o que era: um labirinto. Perguntou-se se era uma brincadeira ou uma ameaça.

Entraram na casa. A música era boa, e foram dançar. Keren não fora apresentada a ninguém; apenas dançara com Maureen. Nem sinal do tal aniversariante.

Um cheiro de incenso invadia o ar, e Keren se sentiu um pouco tonta. Muita gente estava na casa. Keren procurou um lugar pra respirar melhor e viu um cara em cima da mesa, dançando loucamente, sem camisa, cheio de tatuagens pelo corpo. Ele não era musculoso, mas não era magro demais, era compacto. Seu corpo era bonito, sua pele branca, e seus cabelos eram muito pretos. Notou que ele usava lápis de olho (seus olhos estavam muito maquiados) e suas unhas eram pintadas de preto.

Continuou sua caminhada pela casa em busca de uma janela, quando um grande relógio na sala deu doze badaladas. Keren achou aquilo super estranho, nem imaginava que no ano de 2021 pudesse haver um relógio como aquele. Parecia uma relíquia caríssima. Para falar a verdade, só vira relógios iguais a ele em imagens do Google.

O fato é que, enquanto o relógio dava as doze badaladas lentamente, indicando que era meia-noite, um silêncio sepulcral se seguiu ao lugar, e todos, devagar, reuniram-se na sala, diante das escadas que levavam ao primeiro andar. Keren se uniu aos outros, sem saber o que estava acontecendo. Maureen chegou junto dela e parecia um pouco chapada. Mas todos, mesmo os que estavam neste estado, estavam quietos, em silêncio, e aguardavam alguma coisa acontecer.

Foi quando elas desceram.

Vestindo capas pretas, com capuzes cobrindo suas cabeças, lentamente treze mulheres desceram as escadas de forma rítmica, diante do silêncio. Elas carregavam incenso e espalhavam sua fumaça por todo o lugar. Todos abriram espaço, e no centro, onde havia um grande tapete, elas se concentraram num círculo. E cantavam. Uma cantoria estranha, numa língua perdida.

Keren não sabia o que estava acontecendo. Até que uma das mulheres, a primeira que aparecera e que parecia ser a líder, retirou o capuz.

Ela era linda. Branca, muito branca. Seus olhos eram de um azul límpido e claro, mas seus cabelos eram negros como petróleo. Esguia e alta, ela tinha um olhar sério, embora seus movimentos parecessem tentar seduzir todos ali. Olhou em volta e viu homens e mulheres babando por ela. Até mesmo Keren estava excitada. “Deve ter drogas neste incenso”, pensou ela.

Sua voz era doce e musical, hipnotizante. Então, ela falou.

"Vida longa ao mestre."

E todos repetiram.

"Vida longa ao mestre."

Bateram palmas num aplauso contido, e em seguida olharam para as escadas.
Foi quando o aniversariante começou a descê-las.

O silêncio era palpável. As mulheres pararam de cantar, mas mantinham seus rostos cobertos, com exceção da bela "mestre de cerimônias". O rapaz que descia as escadas devagar saiu das sombras.
Keren tomou um choque.

"Uau, ele é quente" Keren sussurrou para Maureen, que fez sinal para que ela permanecesse em silêncio.

O tal rapaz que estava completando vinte anos tinha olhos azuis, límpidos como os da mulher que o anunciara, mas num tom mais inocente, quase infantil. A pele era branca, sem nenhuma mancha, e seus cabelos eram dourados, tão claros e finos que pareciam brancos. Era alto e magro, não de uma maneira que parecesse fraco, mas compacto. Descia as escadas com altivez, como um rei.

Talvez ele fosse algo assim, pois todos disseram juntos "vida longa ao mestre", e quando ele chegou a três degraus do chão e parou, todos se curvaram diante dele. Keren continuou de pé.

"O que está fazendo?" Maureen tentou puxá-la do chão. "Curve-se!"

Keren chamou a atenção do rapaz, que veio em direção a ela. Todos os presentes olharam para Keren, e se admiraram com ela estar ainda de pé. A mulher branca olhou para ela, reprovando-a.

"Desculpe, mas não vou me curvar." Keren disse baixinho, quase sem voz. Sentiu o rosto corar.

"Não precisa se desculpar" disse o rapaz. "Você é novata?"

Maureen ficou de pé ao seu lado.

"Ela veio a meu convite. Achei que seria bom trazê-la para conhecê-lo."

Maureen estava radiante por poder falar com ele. E ainda mais por estar tão perto. Podia tocá-lo, se quisesse. Mas, embora o desejasse, não se atreveu.

Ele não deu atenção a ela, e pareceu nem mesmo ouvi-la. Seus olhos estavam focados em Keren. Ele parecia perscrutá-la, mas Keren teve a sensação de que ele a reconhecia.

"Desculpe-nos. Não queríamos assustá-la. É apenas uma reunião entre amigos, para comemorarem meu aniversário esta noite. Permita-me." Ele tomou uma das mãos de Keren e beijou-a. Ela sentiu um calafrio. Olhou para os olhos azuis dele, e os achou suaves e doces. "Meu nome é Junius. Junius de Margeau. E estes são meus amigos."

"Meu nome é Keren."

"Seja bem-vinda, Keren."

E então, como num passe de mágica, tudo voltou à atmosfera anterior. A música voltou a tocar, as pessoas voltaram a dançar. As mulheres de preto se retiraram suavemente, deixando atrás de si o cheiro de incenso, desta vez mais forte. Maureen saiu para dançar com outro garoto. Mas tudo isso Keren só percebeu por sua visão periférica. Seus olhos estavam nos olhos de Junius.

Os dois estavam parados, um olhando para o outro, no meio da sala, enquanto a festa rolava à volta deles. Ela só via borrões, com sua visão focada nele. Ninguém mais parecia notá-los ou se importar.

"Venha" ele disse, e ela o seguiu para fora da mansão. E nem percebeu que passava por cima de corpos frenéticos, numa dança louca e epilética de orgias sexuais.


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